sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Eu não sou parte

Existe uma parte de mim
que não é metade
Não pode ser parte, apartada
Não consegue ser menos, recatada
Não é marolinha, mas enxurrada.
Existe uma parte de mim
De uma inteireza irritante
De uma plenitude intrigante
De uma profundidade tamanha
Que eu chego a perder-me
Dentro desse abismo que sou eu.
Eu me derramo, transgrido, sou inteira
Não aprendi a doce arte
de não ser eu mesma.

(Mariana Lira)

sábado, 14 de novembro de 2015

A miséria humana é muito grande.

A miséria humana é muito grande.

Tentei começar este texto de outra forma, com outra frase. Mas esta não me sai da cabeça. A miséria humana é muito grande, gigantesca, horrenda. Aqui e lá, seja em que lugar for, há exemplos fáticos de que o ser humano não merece essa condição privilegiada. Desde o início dos tempos, nos digladiamos e nos destruímos em busca de mais poder. Para tanto, usamos institutos que deveriam ser símbolos de amor e de união, da crença em um ser maior. A fé e a guerra andam de mãos dadas através da história da humanidade.

Desde a tragédia de Mariana, em Minas Gerais, ando aterrorizada com a capacidade do ser humano de desprezar a vida na busca insana e cruel pelo vil metal. Aqui, tão perto de nós, a maior tragédia ambiental em muitos anos no Brasil é tratada quase que com descaso por parte da mídia. Sem o poder da telinha, o sofrimento das pessoas que perderam tudo parece mais um dramalhão mexicano; e o fato de mais um rio - um Rio tão lindo -, estar morto, é divulgado como se se tratasse de um mero acaso do destino. O Rio Doce está morto e a expectativa de novos sinais de vida é sombria - teremos (poderemos?!) que esperar 100 anos. E assim, o vil metal cobriu de lama e ódio um rio cheio de vida. A política, por sua vez, procura mascarar de vez essa ferida escancarada, aberta na pele de um povo anestesiado pela própria ignorância.

Na França, pessoas inocentes correm, desesperadas, tentando salvar as próprias vidas e a de seus pares, É o Estado Islâmico que se anuncia - uma retaliação à morte de um dos seus cabeças. 89 pessoas inocentes perderam a vida e mais de 300 estão feridas. Um país inteiro está em choque e o mundo, aterrado, presencia o prenúncio de uma nova guerra. Mais uma vez, a fé anda de mãos acorrentadas com a guerra, sendo usada como massa de manobra por quem, de fato, não acredita em Deus - mas apenas na própria força. E, mais uma vez, o que se vê é um jogo político, louco e doentio, que comanda o futuro da humanidade.

Hoje à noite eu abracei meu filho muito forte, pensando nas minhas dúvidas anteriores à gestação. Como eu iria colocar um filho num mundo deste? E, agora que ele está aqui, eu me pergunto como poderei mantê-lo seguro e puro, frente à tanta podridão. Lá fora, alguém solta fogos em comemoração à Vitória do Santa Cruz. Apesar do susto, Heitor festejou e, com os olhos brilhantes, gritou - é carnaval, mamãe! O carnaval chegou! O barulho foi exatamente igual aos tiros de fuzil ouvidos do lado de fora do Bataclan e às explosões ouvidas do lado de fora do estádio, em Paris. Lá dentro, França e Alemanha, cabalísticamente, travavam um duelo histórico. E a história, de repente, estranhamente, morbidamente, parece se repetir.

Dizem os espiritas que este é um mundo de espiação. Então, que Deus seja por nós, por todos nós. Pela regeneração da raça humana; por mais amor em nossos corações; por uma reinvenção de todos nós.

A miséria humana é muito grande.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Mad Man e o mundo das gentes apequenadas

Era para ser sobre um filme, mas será sobre uma série. A série Mad Man, da HBO. Será polêmico, eu prometo.

Resumo básico: a série, producao recém exibida pela HBO, sucesso de público, retrata o mundo publicitário da década de 60/70. Em meio às turbulentas mudanças sociais e quebras de paradigmas, a produção revela um mondo sórdido, movido a bebida, sexo não consentido, banalizacao da mulher e dos valores da família. O personagem principal, Don Draper, é um Diretor de Criacao, corrupto e corruptor, que se mostra oportunista, falseador de emoções e que justifica tudo isso com o nascimento tortuoso, fruto de um relacionamento paterno extra-conjulgal.

Ovacionada pela crítica como a mais fil produção a retratar o mundo.publicitário, a serie, para mim, relez jornalista, pobre em conteúdo e deturpadora da sociedade. Além, é claro, de transformar a publicidade em um monte de pobres profissionais, que bebem e fumam o dia inteiro, trepam com suas secretarias como de estas fossem objetos e, no meio de tufo isso, tem idéias fantásticas, as quais modificarão o mode de ver das pessoas com relação aos produtos anunciados.

Triste é saber que o mundo se retrata assim e mais triste ainda saber que os colegas da área de comunicação se vêm, assim, tão rasteiros, incapazes de abstrações mais, digamos assim, substantivas.

Talvez seja por isso que as áreas não tenham Representações que consigam proteger seus direitos; talvez seja por isso que as classes sejam tão desvalorizadas; talvez; talvez seja por isso que estejamos sujeitos às vississitudes do mercado, criando projeções fantasmagóricas do que poderia ser uma publicidade de qualidade. E, talvez, e eu espero mesmo que seja apenas talvez, que tantos comunicadores sejam infelizes com o completo esvaziamento dos seus espíritos.

Triste comunicação está, que não me representa em nada.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Eu gosto de ser mulher ou o monstro da perna cabeluda.



Eu sou pelo direito. Sempre o fui. Gosto de ponderar acerca das esferas que envolvem direitos e deveres e, ainda mais, de respeitar o espaço do outro. Por fim, sou contra todo e qualquer radicalismo. Aliás, essa é frase feita para mim. Radicalismo, todo ele, é burro e escraviza. Insere o sujeito numa redoma de certezas irrefutáveis mas que, em verdade, são falíveis e desumanas. E vazias de humanidade o são por desrespeitarem a capacidade fantástica do ser humano em ser múltiplo - um monte de consciências erigidas nas experiências acumuladas em anos de existência, resistência e luta. 

Aprofundando-me nos diversos ramos do direito, enfatizei em mim, muito mais, essas certezas e pude constatar que - é verdade -, o direito de um indivíduo, para existir, precisa embasar-se no cumprimento dos deveres por todos os outros. Essa é, por fim, a tônica do equilíbrio e da harmonia, sem as quais as sociedades voltariam aos tempos da barbárie. A nossa sociedade, entretanto, padece de um desequilíbrio demasiado e triste, no qual as pessoas - homens e mulheres -, anularam-se em lutas as quais perderam a sua essência primeira - a de trazer a paz. 

Tudo isso aplica-se muito bem ao feminismo e ao machismo, por exemplo. Dois modelos falidos e autofágicos, que estão ajudando a criar seres humanos ainda mais doentes e desarrazoados. Mulheres, ao que me parece, perderam, enfim, o feminismo que as caracterizava. Contraditório?! Creio que não. Todas as lutas do movimento feminista foram criadas no intuito de elevar a mulher, este ser fantástico, repleto de vida, à condição de igualdade com os homens. E foram válidas, por certo. Lutamos pelo direito de trabalhar, de votar, de ser livre. Lutamos pelo direito de dar pra quem quiser, de usar nosso dinheiro como bem entendermos. Entretanto, lutando por esse igualdade inalcançável, passamos do ponto. E, de novo, me vem o questionamento: até onde vai o nosso direito?

Conquistamos o direito de dar pra quem quiser, e isto é ótimo. Libertador, gostoso e prático. Entretanto, e eis aqui novamente a máxima do direito, todo e qualquer bônus tem também o seu ônus, sua obrigação. Acerca dessa polêmica questão do aborto: seria justo, com quem foi criado sem razoabilidade, justamente por isso pagar com a própria vida?! Somos, assim, donas do corpo e da vida de outrem? Outra questão: para sermos iguais aos homens temos mesmo que ter cabelos no sovaco, pernas cabeludas e cabelos desgrenhados? Serei eu menos mulher se gostar de delineador, lingerie e salto alto? Todo esse radicalismo me leva a crer que estamos nos transformando em qualquer outra coisa, menos em mulheres. 

Em minhas conversas com outras comadres, eu enxergo mulheres aturdidas com a total incapacidade de acompanhar seus próprios filhos. São as mesmas que se torturam por não terem mais tempo de cuidar da casa, do corpo e da própria vida. Tornam-mo-nos escravas de todo esse radicalismo. Como dizem por aqui: tudo hoje é "na pressão". 

Como já disse, sou pela ponderação. Curto trabalhar e ter minha grana com a mesma intensidade que amo cuidar do meu filho, assim como do meu marido. Adoro salto alto, academia, maquiagem, pernas e virilhas bem limpinhas e, ainda, cabelão. Idolatro as mulheres que nos trouxeram aqui - as lutadoras do 8 de março e a dona de casa que, outrora, cuidava com amor e carinho de muitos e muitos filhos e agregados. Acho que radicalizar é ter coragem de misturar em uma só existência a loba e a mulherzinha; a trabalhadora e a dona de casa; a santa e a diabinha. Nessa dicotomia creio que encontrei minha resistência, minha resiliência e minha derradeira estrada. E não me arrependo em nada de ser assim, contraditória: para alguns refém da sociedade, para mim MULHER poderosa e altruísta. 

Eu gosto de ser mulher. E daí?

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Enfim...

Minhas DRs com Deus têm sido constantes. Eu falo e sei que, pacientemente, ele escuta, pois são muitas as reclamações. As indagações são muitas, em número muito superior aos agradecimentos, devo confessar. E isso me angustia.

Afinal de contas, nós deveríamos sempre agradecer. Agradecer por mais um dia, por esta nova oportunidade de viver os tais 86 mil segundos que nos são confiados rotineiramente. Glorificar a chance de sorver a vida em sua plenitude, seja ela qual for. Acontece - e isso acontece com todo mundo -, que existem os desejos, muito acima das necessidades, e estes sim despertam, em nós, a necessidade de uma busca incansável.

Aos 33, eu cansei de ser hipócrita. Tenho corrido muito, andado bem esboforida e, quase sempre, tenho dado com a cara na parede. Ou com os burros n'água, pra usar de expressões mais regionais. Me irrita a arrogância de quem não corre e ganha; não me desce o sutil olhar superior de quem está chegando lá. Internamente, eu me fito nesse espelho desfocado e tenho a sensação de que não estou nem perto. Na verdade, e isso é uma merda, a sensação que eu tenho é de correr e nunca - nunca -, sair do lugar.

Dia desses eu tive uma conversa de pé de orelha com Deus. Chamei-o na chincha, como dizem. Um sem número de porquês invadiu aquela conversa que deveria ser só minha. Pois é. Os porquês roubam minha existência - turbulentos, truculentos, malditos. E malditas sejam as palavras que, vomitadas, dizem tudo e não dizem nada.

Mas, vamos lá. Dizem que gratidão é um exercício, um hábito a ser cultivado diariamente. Dizem, também, que mesmo aparentando não existirem razões, nós devemos inventar, se preciso for, motivos para agradecer. Ok, eu não preciso chegar a tanto.

Eu agradeço pelos sorrisos do meu filho, sempre tão claros e impulsionadores; agradeço por sua vida ter despertado em mim a coragem de gritar que, sim, eu quero mais do que a vida tem me oferecido. Agradeço por poder estar próxima a meus pais e por poder retribuir, da forma que me é possível, todo apoio até aqui; e agradeço até mesmo essa capacidade louca de nunca me conformar com o conformismo. Se tem sido difícil encontrar motivos pra sorrir a gente toma uma cerveja e fica tudo bem, Tudo zen.

Entenda. Não é egoísmo, chantagem, vitimismo, meninisse, safadeza, conformismo ou moleza. É, talvez, melancolia, temperada com um tiquinho de tristeza, salteada com uma vontade imensa e urgente de ser feliz. De ser sempre o que se quis. De empinar o nariz e bradar nossas conquistas. De não ser mais artista. De não precisar ser artífice dos próprios sorrisos. Mas, como eu já disse: se tem sido difícil encontrar motivos pra sorrir, a gente toma uma cerveja e fica tudo bem. Tudo zen.

Enfim

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Eu, artista (!?!?)

                                                                                          (Pablo Picasso)  

Às vezes eu me sinto burra. Quase que uma toupeira. Confabulo comigo mesma pequenas discussões acerca do universo e nada. Não sai nada, Travada. Embotada. Geralmente isso acontece quando estou longe de mim, da minha alma de artista que, coitada, anda contrita, frente às exigências dessa vida atribulada. E, assim, quando estou apartada da arte, sou desligada, também, da própria vida.

A razão é que eu cresci ao som e com as imagens dos grandes, dos melhores. Minhas trilhas sonoras foram dos Chicos (o Buarque, o Science e o César); minhas canções de ninar foram entoadas por Gal, Caetano e Peninha. E até as gravuras que me fizeram ser assim, "distorcida", eram de gentes agigantadas como a Tarsila e o Picasso. São íntimos das minhas intimidades, artistas das minhas telas mentais encardidas.

Acontece que nós, artistas, não somos vistos com bons olhos. Geralmente (quando digo geralmente, quero dizer quase sempre, ou sempre no frigir dos ovos), esse substantivo de três sílabas encharcado de significado vem acompanhado pelas palavras "vagabundo" e "desocupado". Foi assim que, para driblar a vida e encaixar-me nas expectativas desse mundo bitolado, tornei-me eu, jornalista, artista das palavras, artífice dos fatos.

Mas a verdade é que, no âmago da coisa, sou mesmo das artes. Amo as cores e suas nuances; gosto de que é belo - de ser bela e de apreciar a beleza; prefiro os sons harmônicos à estridência cafona dos nossos tempos; me impressiono facilmente com a capacidade bélica de uma simples poesia. Gosto de levar cor, beleza e melodia para todos os cantos. Mas eu vivo na realidade. Nela, é preciso produzir, ter sucesso (profissional e econômico), pagar as contas e atender às enormes expectativas nossas e de todo mundo. Por isso esse conflito eterno - a batalha épica entre quem eu preciso ser e a minha alma lépida.

Assim, quando eu me sinto burra, açoitada mesmo pela dureza da vida, eu leio um livro, vomito numa página em branco, grito no silêncio de uma canção estapafúrdia a fim de apaziguar os endiabrados que insistem em libertar essa minha parte divertida. É preciso ser comedida. É preciso encontrar equilíbrio entre a mãe, a mulher, a profissional e a artista. E aprender o malabarismo dantesco para não destruir a própria existência.

Contrariando o João Bosco, eu não sou de virgem, mas tenho alma de artista, tremores nas mãos e... eita! Preciso mesmo ir ao dentista.


quarta-feira, 20 de maio de 2015

Insegurança e Terror na terra do oba-oba

Sempre fui desenrolada. Pegava ônibus a hora que fosse, ia pras festas encontrar azmiga e adorava fazer passeios antropológicos por feiras livres e mercados públicos. Nunca tive medo de cruzar, nas ruas, com os "trombadinhas" que lotam as calçadas do Recife. Para mim, eles já compunham a "paisagem natural" da cidade, deixando latente a imensa disparidade econômica entre as diversas classes sociais. Nunca tive medo - até que fui mãe.

A insegurança da Veneza Pernambucana foi um dos motivos que me fez largar tudo para ficar em casa, reclusa, imbuída apenas no ofício de ser mãe. Tinha medo de deixar a cria com uma babá e, de repente, tê-lo extirpado de mim; temia pela falta de zelo de alguém que, internamente, não amava o meu filho, apenas o dinheiro que lhe rendia. Enfim, tinha medo de tudo, inclusive da vida.

Minhas experiências, por certo, não me foram gratas. Das três babas que encontrei para Heitor, duas foram um completo desastre. A primeira chegou ao ponto de vir trabalhar bêbada e eu quase perdi as estribeiras. A segunda teve a capacidade de fingir de lhe dava alimento para parecer uma encantadora de um bebê pouco afeito a comida. A terceira, por fim, foi um bálsamo de alegria e tranquilidade. Foi graças a ela que eu consegui cortar o cordão umbilical e voltar a pensar em trabalho.

Este ano, já na faixa dos 3 de idade, colocamos Heitor, pela primeira vez, na escola. A escolhida foi uma bem pertinho da nossa casa, o que me permite levá-lo e buscá-lo a pé. Um tranquilizante, tendo em vista o transito crucificador de Recife e a falta de confiança num transporte escolar de qualidade.

Lendo o texto de Janine, acerca de segurança e pontualidade, peguei-me pensando sobre como é bom poder fazer isso - eu mesma ir levá-lo e buscá-lo -, e, por outro lado, como é frustrante sentir tanto medo. Morando no Espinheiro, bairro (tomadas as devidas proporções) privilegiado, eu deveria sentir-me mais protegida, mas não é isso que acontece. Dia desses, por exemplo, ao ir pegá-lo quando do fim da aula, cruzei com um grupo de trombadões que, ainda por cima, cheiravam cola. Apressei o passo e fiquei pensando como seria quando tivesse que passar por ali, na volta, com meu filho andando com seus passinhos curtos. Medo e revolta crescentes

Certo dia também atrasei-me. Perdi a hora e saí cerca de 10 minutos atrasada de casa. Quando, enfim, cheguei para buscá-lo, ele estava desconsolado no canto da sala, com um olhar distante e triste. Ao me ver seu rosto se iluminou. E com sua pouca idade ele lançou-me a frase que seria, para mim, como um soco no estômago - mamãe, eu pensei que você havia me esquecido. Semana passada, um amiguinho de Heitor foi esquecido pela condução. Estranhando a demora para ir buscá-lo, a escola entrou em contato com os pais e explicou o ocorrido. Imagino a aflição da mãe ao ouvir seu filhinho aos prantos, acreditando que tinha sido deixado ali, de propósito.

Aqui perto eu e meu irmão já fomos assaltados. Era noite e esquecemos as janelas do carro abertas quando, de repente, fomos abordados por dois ladrões. Ainda bem que ficamos serenos e eles quiseram apenas o celular. Mas esse pequeno episódio nos deu a devida dimensão de que, de fato, em se tratando de Brasil, não estamos seguros em lugar algum. Essa sensação de terror somente aumenta quando a gente pára e assiste aos telejornais - os locais e os nacionais. Posso jurar que, caso fosse possível, se apertássemos o TV um bocadinho, sairia dali alguns milhares de litros de sangue.

E essa sensação de insegurança e de medo constante é que me revolta. Por que não podemos, também no Brasil, ter a certeza de andarmos nas ruas sem sermos reféns do terror? Por que precisamos aceitar sermos prisioneiros de nossas próprias casas? Por que não podemos utilizar o espaço público sem medo de assaltos, sequestros, balas perdidas, violência gratuita e toda sorte de violação dos nossos direitos enquanto cidadãos e seres humanos?!

terça-feira, 19 de maio de 2015

Deliciosamente... 30! (tá bom! 33!)


Repita 33. É isso que eu tenho feito, insistentemente, para acreditar que, enfim, cheguei aos 30. Passei dos trinta. Posso jurar que há segundos atrás eu tinha vinte e poucos e era uma tonta qualquer, sonhando com uma vida de cinema. Se lá trás, na casa dos vinte, eu tivesse a cabeça que tenho hoje, teria, com toda a certeza, conquistado o mundo. Mas estou no processo.

Depois de me acostumar com o som estranho dessas seis letrinhas – T-R-I-N-T-A-, parei de enxergar as rugas, novas companheiras, e passei a ir ao encontro do que de bom há para se buscar nesta fronteira inexplorada. Ao parar para ver o que há de bom, eu tive gratas surpresas.

Descobri que, depois dos trinta, a liberdade é maior. Liberdade em todas as suas nuances – sexual, verbal, de pensamento, de crença e de um vá se foder fantástico. Liberdade de dizer não e de libertar-se do que escraviza e faz sofrer. Perdi muito tempo dos meus vinte e poucos com pessoas que açoitaram minha alma e embotaram minha evolução. Agora ando pra frente, cabeça erguida e um porrete em riste, pronto pra assolapar quem quiser me encher o saco.

A sensação de ter perdido tempo, de repente, começa a esvair-se e a dar lugar a uma energia transformadora. Aos trinta, me descobri mais forte, apesar de não menos chorona; compreendi que sempre há tempo para recomeçar, apesar de todos os tropeços; entendi que a vida é uma só e que é preciso, sim, aproveitar os pequenos prazeres; e que até o casamento fica mais interessante quando a gente se permite ter 33. Ow yes, baby!


Balzaquiana que sou (licença poética, Janine!), desenvolvi um humor sarcastico deliciosamente endiabrado. Acumulei conhecimento, o que, por certo, me tornou em uma mulher muito mais interessante. Me enxergo mais sensual, mais bonita – apesar das gordurinhas que me acompanham, intrometidas -, tenho mais ciência do meu corpo e do que é legal para mim. Sei o que quero, para onde vou e o que fazer para chegar lá (pelo menos eu acho que sei). O fato é que, a caminho dos enta, perdida não estou. Se sou loba?! Francamente: tudo é questão de ponto de vista.

domingo, 10 de maio de 2015

Sexo é imaginação....

Era para falar de sexo, esse era o desafio. Mas, entretanto, contudo e todavia, eu me peguei pensando que o sexo pelo sexo, no fim das contas, não era nada - na verdade, cheguei a conclusão que o sexo, em si, representa apenas 1% nas profundezas do relacionamento à dois. Importa, de verdade, o que vem antes, nas preliminares, quando a vontade de ser o outro agiganta-se em carinhos a fim de fazer explodir a pequena morte tão desejada.

Toda essa reflexão, acreditem, nasceu depois que eu assisti ao dicotomicamente amado e odiado 50 tons de cinza. Eu já tinha ouvido toda sorte de comentários. Tanto os femininos quanto os masculinos. Ouvi que era uma cartilha do sexo; que era uma alienação machista, que transformava as mulheres em objetos sexuais; que mulheres só se interessam por caras com dinheiro; que o filme prometia sexo e não oferecia nada, apenas o característico "moído" feminino (palavras do meu irmão). Eu, entretanto, ainda não havia formulado minhas próprias conclusões. Não li o livro e não havia assistido ao filme, então concluí que não seria certo tecer críticas sem eu mesma avaliar a história.

A cena foi engraçada. Começamos, eu e o marido, a assistir a um filme que, ao meu ver, mostrava-se muito erótico. De repente, chegaram meu irmão e a namorada e, em poucos minutos, meu pai sentou-se na sala. Assistimos, então, em família, a um dos filmes mais polêmicos da história cinematográfica (exagero meu. Licença poética, tá?!). Enquanto eu assistia ao filme e ouvia, ao fundo, os comentários revoltados do meu irmão, eu comecei a lembrar de um documentário da Discovery Channel, o qual assisti há muitos anos atrás. O doc falava justamente sobre sexo e erotismo e o que, no frigir dos ovos, chamava a atenção de machos e fêmeas, homens e mulheres, na hora da conquista. A conclusão, em todos os casos, foi exatamente a mesma.

Passarinhos, leões, tigres, elefantes, macacos, colhinhos, gatos, cachorros e, inclusive, o próprio ser humano têm uma relação muito profunda com o poder. Não falo do poder financeiro, visto que instintivamente o dinheiro não conta, mas do poder exalado pelo macho no processo de conquista da fêmea. Em todas as relações, sejam entre bichos ou seres humanos, o macho mais forte prevalece. A explicação é científica: inconscientemente a fêmea escolhe o macho que considera mais forte por uma série de decisões biológicas tomadas antes mesmo de ela nascer - o macho mais forte terá os melhores genes, aqueles que garantirão a perpetuação da espécie; o macho dominante será o mais propenso a protege-la dos perigos do dia a dia; o macho mais forte será o mais capacitado para proteger a prole e garantir a sobrevivência de todos.

Conosco, seres humanos, essa capacidade de perpetuação da espécie e de garantia dos melhores genes está intrinsecamente ligada a existência de um poder econômico ou à capacidade mostrada pelo macho de evoluir e, assim, garantir uma boa vida para a família. Já estou até ouvindo os gritos e xingamentos, mas, no fim das contas, trabalhadoras ou não, o que toda mulher procura é um cara que lhe traga segurança - e a segurança financeira aparece no topo desta lista. Desculpem a sinceridade - é que depois dos trinta eu deixei de ser hipócrita.

Voltando ao filme: o que eu vi foi justamente isso: um cara que exalava poder e conquistou a mulher, E me atirem pedras as mulheres que nunca suspiraram por um homem de terno; nunca tremeram nas bases quando um homem mais viril as fitou, avidamente; quando um homem realmente poderoso teve a audácia de corteja-la e a fez sentir a mulher mais foda de todas. Por favor, né?! Sem hipocrisia. No mais recôndito das fantasias, homens e mulheres sonham com parceiros poderosos, viris, sensuais, audaciosos e que os coloquem em pedestais. Afinal, isso é fantasia, gente! #pelamordedeus!

O bom da fantasia, no entanto, é o fato de ela jogar uma fagulhazinha na realidade e depois esvair-se no ar, deixando na boca o gosto doce dos beijos do seu parceiro. É o fato de ela deixar a vida mais divertida, porque a rotina cansa e mata qualquer relacionamento. A fantasia joga a medida certa de pimenta no dia a dia de duas criaturas que se complementam. E, eu digo a vocês: sou totalmente a favor das fantasias vividas a dois, com liberdade sexual entre marido e mulher e autonomia para mostrar ao outro o que é bom de verdade. E essa coisa de ser livre no sexo ganha espeço quando não sobram argumentos pudicos entre quem se ama e se quer.

Como diz Rita Lee: Sexo é imaginação, fantasia....... é poesia!




quinta-feira, 7 de maio de 2015

Amor de mais; Amo demais.

Eu costumo dizer que em soma de 2 + 2 não tem jeito de dar outro resultado, a não ser o próprio quatro. Isso é óbvio. Acontece (e isso a gente só descobre lá pelos 30, idade em que me encontro agora), que relacionamentos não são resultados oriundos de fórmulas perfeitas. Na verdade, eu desconfio que relacionamentos verdadeiros são o que resta quando todo o resto é massacrado pela sacrificante rotina do dia a dia e pelas tormentas da existência.

Essa minha crença de enxergar padrões em tudo já me fez passar por maus bocados. Eu acreditava, como menina, em príncipes encantados e finais felizes, como nos contos de fada. Pudera. Fui a filha única de um casal que sonhava - e ainda sonha -, com um mundo feliz e perfeito. Sua vontade paternal era a de me proteger de tudo - inclusive da vida. E, assim cresci sonhadora e destemida, protegida pelos heróis fictícios da minha infância. Amadureci acreditando que a felicidade era um comercial de margarida.

Mas a vida - ahhhh a vida -, a vida se impõe e desabrocha num sei lá o quê estonteante e desbaratador que nos joga no meio de uma tempestade que parece não ter fim. E, assim, eu fui jogada no mar da vida, tendo que lutar contra os monstros para os quais nunca havia sido apresentada. Conheci gente cruel. Gente que fazia sua felicidade roubando a alegria de viver dos outros; gente mesquinha, que se sentia dono dos outros e que, por isso, tinha o direito de desenhar futuros que nunca estiveram nos planos da sua vítima. Eu passei por muitos desses - até compreender que a vida é uma equação complicada e não uma conta de somar.

Quando me apoderei dessa compreensão, pude entender também qual era o tipo de relacionamento certo para mim. E pude encontrar a paz que eu sempre busquei. Nesse momento de profundas descobertas e revelações, eu entendi que príncipes encantados são chatos demais e que ser princesa é um saco. Príncipes e princesas não erram, são perfeitos; projeções imbecilizadas de uma perfeição que nós, seres humanos, nunca seremos capazes de alcançar. E eis aqui a nossa verdadeira beleza; o delta da nossa equação.

Essa capacidade infinita de formular futuros paralelos e, de repente, modificá-los por completo novamente, é a grande sacada de Deus para os seres humanos. Nossa grandeza, nossa beleza e toda essa inteireza de ser residem justamente no fato de sermos complicados, complexos e voluntariosos. Ao mesmo tempo que somos iguais, somos, também, completamente diferentes. Em nossas vicissitudes, nos travestimos dos sonhos brandamente guardados em nossas mentes e corações.

Por isso que, sendo tão complexos, relacionamentos não poderiam ser como contas de padaria. Eles são, sim, um emaranhado perigoso e louco das coisas mais deliciosas do mundo. Residem na construção de um lar e de uma família; moram na poupança acumulada para as viagens de fim de ano; dançam na lavagem de louças compartilhadas e na arrumação da casa - dia após dia. Fortalecem-se no toque sorrateiro do corpo durante a noite - mesmo após tantas noites juntos - e no sôfrego desejo de estar no outro, de ser o outro, mesmo já tendo-o desnudado tantas e tantas vezes. E perduram simplesmente pela resistência da vontade de duas partes serem uma.

Após os 30, eu redefini meu conceito de relacionamento. A experiência me fez compreender que a vida não é uma via em linha reta, mas um caminho sinuoso de curvas deliciosas e divertidas, as quais guardam descobertas e mistérios a cada novo dia. E aprendi que um único relacionamento pode ser muitos; pode ser mil relacionamentos em um só. E que o doce e o fel são necessários para deixar ainda mais gostoso o amor.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Apertando o play dentro de mim



Antigamente, por volta dos meus vinte anos, mudar era coisa fácil. A gente ia na farmácia, comprava a tinta mais louca pro cabelo e, em casa mesmo, virava outra pessoa. Mudar era coisa simples. Nossos problemas, e dilemas, eram também menos complexos. A medida que a gente vai vivendo, as angustias se agigantam, como se nos impuséssemos a responsabilidade de sermos tudo o que o mundo espera de nós. E isso, de fato, é chato pra caralho (desculpem os temos).

É chato porquê é impossível atingirmos a perfeição imposta. Nós, seres mortais, não conseguimos acordar lindas, com os cabelos ondulados e perfeitamente arrumados, tez de bundinha de bebê e sorrisão nos lábios; não conseguimos manter a casa arrumada e os filhos exemplarmente comportados; e não conseguimos executar com maestria a enorme lista de coisas a fazer em apenas 12 horas (pois, é claro, a gente espera ter 4 horinhas pra viver e mais 8 para dormir tranquilas. É sonho. Mas a gente espera).

Na verdade, é a mesma cantilena todos os dias: a gente acorda estressada, às 5 da matina, por quê o pirralho precisa ir à escola; o marido tem que levar a marmita, o trabalho já já começa e as contas acumulam-se, malditas. E nessas 12 horas que a gente corre que nem doida tentando dar conta da vida, não sobra tempo nem pra fazer a unha que anda roída e tenebrosa (é a ansiedade, gente, me perdoem). O fato é que essa perfeição cobrada pelo mundo não pertence a nós, seres mortais. É ai que fica difícil engolir a vida e encará-la com uma perspectiva mais positiva.

Daí o sujeito olha pra você e lança aquele chavão de boleia de caminhoneiro: não apresse o rio, ele só corre para o mar; guarde o dedo que a unha cresce; dê tempo ao tempo; tenha CALMA. Ô palavrinha odiosa, essa. Quando eu escuto, tenho a sensação de ter pequenos enfartes minuto a minuto. Um sujeito ansioso por viver a vida não quer ter simplesmente calma. Ele tem que correr pra conseguir conquistar tudo em tempo recorde, a fim de ter algum tempo pra desfrutar de tanto sucesso.

Entretanto, quando os anos passam e as experiências se acumulam, a gente começa a compreender a sutilidade intrínseca a estes doces aconselhamentos. A gente aprende que é possível ter calma e correr – mesmo que isto seja um paradoxo tamanho; que a perfeição está nos olhos de quem enxerga; e que a vida acontece agora mesmo, neste exato momento, enquanto você corre, tem calma e espera. E é preciso aprender o malabarismo da vida para equilibrar-se nessa pirâmide de desejos, anseios e frustrações. É assim com todo mundo – até com a Gisele, acredite.


Então, se a gente puder, só por hoje; apenas pelos próximos 10 minutos; pelo menos nos próximos 60 segundos nos alimentarmos com palavras amorosas e gentis, talvez, daqui há um tempo a gente introjete essa ideia louca de que é possível ser feliz. A felicidade, creio eu, acontece quando você harmoniza suas crenças com suas projeções. Apreende o conceito do auto perdão. Quando aceita que o passado ficou no passado e não pode mais lhe atingir. A gente pode ser feliz agora, nesse exato momento; e podemos, ainda, multiplicar esse instantezinho em milhares de outros tantos. Talvez aí, de repente, de assalto, sofregamente, a gente descubra que, lá dentro, se fez brotar um jardim.  

quarta-feira, 11 de março de 2015

Ansiedade
é da idade
é a saudade
do que não foi
É um querer ser 
Sem poder
É a procura irrefreável
pela verdade
Tem também um quê de vaidade
uma crença de estar adiante
do próprio tempo
De querer chegar na frente
De saber antes o que ninguém sabe
É, na verdade, um misto de não sei o quê
unhas roídas, coração em sofrimento
É a agonia de um lamento
por tudo aquilo que é inevitável
(mariana lira)

sábado, 7 de março de 2015

Lutar pela sua existência. Resistência.

Recentemente eu passei por mais um dos meus ciclos de revolta. Engraçado que, ao usar tal expressão, uma amiga me disse ser essa uma designação muito chique para um sentimento comum e arbitrário: a frustração. Eu argumentei com ela que, afinal, não era só frustração. Era um amontoado de coisas: raiva, cansaço, revolta, inveja (você nunca?!), auto-tirania e, enfim, a tal da frustração. Tudo junto e mistura, desmoronando bem na minha cabeça.

Ora, não vá me dizer que nunca, nunquinha, teve um ciclo de revolta. A vida não é perfeita e nós somos seres acumuladores de expectativas. Esperamos o sorriso perfeito, o emprego perfeito, a casa dos sonhos, aquela viagem fantástica e a tal da realização, cujo limite a nós imposto se aloja lá pelos trinta anos. Pois. Eu tenho trinta anos e a tal da realização ainda não aconteceu. O problema é que eu vejo muita gente ao meu redor, gente mais nova do que eu, dando certo e eu, infelizmente, só tenho dado errado. Vai ver que eu não tenho estrela, ou a lua não estava apontada para o meu bumbum quando do meu nascimento. O fato é que eu tenho esperado demais, ansiado demais, e nada - nadinha mesmo -, acontece.

Então eu me sinto no limbo - um lugar entre a vida que me foi dada e aquela pela qual eu tanto anseio. Pareço correr, parada, sem conseguir sair do lugar, enquanto os demais competidores me atravessam, felizes, ocupando os primeiros lugares do pódio. Acontece que é difícil aceitar a vida como ela é. Imperfeita; azeda e doce ao mesmo tempo; singular e tão banal; surreal e tão corriqueira. Difícil mesmo é aceitar que, queira ou não queira, alguns vão se dar melhor na vida do que a gente. Vixe... isso é difícil de engolir. (Sabe como é: sou de escorpião).

Durante os ciclos de revolta eu me transmuto para dentro de mim mesma. Prefiro a reclusão solitária a fim de não espalhar pelo mundo o amargor dos meus olhos tristes e cansados. Assim, protejo a mim e ao outro que, coitado, não tem culpa alguma de nada. Sumo por alguns instantes, dias, décadas para, então, ressurgir reluzente e refeita, como uma fênix que, apesar das derrotas, ergue-se da dor para, mais uma vez, lutar pela sua existência. Resistência.


segunda-feira, 2 de março de 2015

Coração palpitando, ar rarefeito, disritmia e essa eterna agonia de nunca acontecer nada.

Meu silêncio anda ensurdecedor. Particularmente barulhento. Ele me azucrina com suas conjecturas e lamentos, enquanto me atormenta com milhões de acusações. Sobram-me as indagações acerca do seu palavriado, o qual me torturam com seus por quês desconcertantes. Por vezes, sou prisioneira deste sem número de vozes que, mudas, gritam verdades indizíveis. Eu odeio meu silêncio. Odeio não estar em paz.

Essa "algazarra interior" não estaria aí caso estivesse tudo certo. E tudo certo, para mim, é sinônimo de felicidade. É o poder fazer pequenas coisas que, na maresia, a gente dá pouco importância tamanha sua trivialidade. É o poder dizer-se livre, ir aonde se quiser, fazer o que dá na telha, ter dinheiro no bolso. Se a paz pode ser comprada?! Ora, é claro!

Não que eu seja mercenária. Não é isso. Gosto de dinheiro (é pecado?!). Gosto da tranquilidade que o dinheiro dá, da certeza firme de sua presença e de todas as coisas as quais são possibilitadas pelo dinheiro. Mas eu vivo em tempos nos quais, apesar das batalhas, não há recompensas. Há trabalho duro; o que não me sobra é paciência.

Resiliência. Palavrinha entrometida, muito presente nas minhas conversas ultimamente. É preciso ter sapiência para enfrentar as dificuldades, aceitar as verdades e tentar acertar o prumo. É que resiliência tem sido meu café, almoço e jantar. Tenho tido resiliência demais e vitórias de menos. E é chato - muito chato -, não ter sucesso. E chato mesmo, apesar de toda a resiliência, de todo o esforço e batalha, é ouvir um coro  estridente de que você é detentor da culpa por toda e qualquer falha. Ah, vão a merda!

O pior é que as pessoas, coitadas, não são culpadas. Elas me fitam, simpática, cheia de sorrisos, e logo deduzem que eu estou na crista da onda, gozando da boa vida, esbanjando boa ventura. Mal sabem elas que o meu silêncio urra!! Esse silêncio, do qual sou escrava, me atormenta dia e noite com as angústias - escancaradas, purulentas e fedidas.

Essa batalha comigo mesma me cansa. Ando cansada do barulho, dessa briga inteira. Coração palpitando, ar rarefeito, disritmia e essa eterna agonia de nunca acontecer nada.

(Mariana Lira)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Você conhece um sequestrador de sorrisos?!

Ele pode estar mais perto do que você pensa.

Todo mundo me diz: é preciso manter a positividade! Afirmar, mentalmente, em silêncio ou aos gritos, que tudo vai dar certo, caminhar para o seu local determinado. Entretanto, tem gente que sequestra sorrisos. São os especialistas em acabar com o seu dia.

Sequestradores de sorrisos são criaturas comuns. Geralmente caminham por aí, disfarçados, insolentes e sonsos. São gente comum: com trabalho, contas para pagar e rotina diária. Mas esses caras - por Deus -, sabem direitinho como atacar de jeito. E te derrubam quando você menos espera.

O baque pode ser grande. Quando sonhamos, ficamos pairando nas alturas, acima das nuvens - acreditando no impossível da felicidade. Estamos naquele momento mágico do acreditar. De lá de cima, mal enxergamos que, cheios de sortilégios, os bandidinhos estão chegando. Como se fôssemos bolas de festa estouradas, caímos, bombásticos, sonhos abaixo.

É fácil levantar-se, mas não reconstruir-se. "Dessequestrar" um sorriso é como aventurar-se num mundo novo, desconhecido: cada passo dado no resgate das nossas metas é uma ferida reaberta, que sangra, e dói, e pulsa - purulenta. Desesperar?! Sempre e jamais!

Um sequestrador de sorrisos pode ser, enfim, qualquer um. Qualquer pessoa que, provendo-se de palavras duras, julgamentos injustos e acusações infundadas, resolva jogar-lhe na cara a sua enorme incompetência. O seu fracasso diante do sonho não concretizado. Esta é a pior queda: enfrentar, cara a cara, o maior dos seus terrores - a própria incapacidade de continuar.

Mas, como dizem todos os demais: é preciso respirar e acreditar que, um dia, tudo dá certo; caminha na direção correta; acontece, enfim. É preciso respirar - chorar também, se preciso for -, e, quando conveniente, aprender a dizer um "foda-se!" com bastante pertinência. E ter a tal da resiliência. Numa quantidade nem grande.

Então, mando um FODA-SE para você de presente.

(Mariana Lira)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

À Francesa

Francesa,

Eu queria confortá-la com palavras brandas e conselhos sábios de quem conhece a razão das coisas. Gostaria de aquietar seu coração, afirmando categoricamente que, pela manhã, o mundo estará diferente e nós estaremos bem. Eu adoraria ver em seu rosto um sorriso de domingo, ao passo que brota em seu coração a certeza de tempos melhores. Mas a verdade, mulher, é que eu não posso.

Eu sou igual a você, já te disse. Inseguranças, medos, fracassos, anseios, palpitações, elucubrações - as minhas, as suas, as nossas, são as mesmas, são irmãs. Vivemos com o coração à boca, esperando pelo momento indizível no qual veremos concretizadas todas as expectativas. E olhe que não são poucas. Na guela, um grito mudo que insiste em nos engasgar; no peito um aperto, um sem jeito, uma eterna tentativa de se enquadrar num mundo que parece nos cuspir porta à fora.

Mas, deixa eu te falar. Aliás, deixa eu repetir. Eu gostaria de te mostrar essa mulher que eu vejo bailando na minha frente. Sorriso feliz, infante. Lábios vermelhos, suntuosos. Alma grande, brilhante, escandalosa. E uma certeza das coisas que me apavora. Eu gostaria de transformar o que eu vejo no teu espelho, para que este reflexo, que é teu, tão belo, deixasse de ser esse oposto pelo qual você tanto busca.

Eu sei, eu sei. Ao ler isso, você com certeza se questionará: mas que imagem é essa, distorcida? Deve ser coisa de amiga, louca para confortar, dizer palavras bonitas. Mas, Francesa, eu me espanto por este ser fantástico, o qual eu nutro e amo, ser o seu inverso. Esse outro lado obscuro que você insiste em não enxergar. Pois para mim ela brilha, encandeia. Brilha e deixa brilhar.

O que eu posso te dizer, pequena, é que ninguém é totalmente feliz, assim, em demasia, Os que os dizem, acredite, também sofrem. Cada ser tem a medida de sofrimento que lhe convém ou lhe foi entregue. E suporta - uns aos gritos, outros em silêncio e estes, sei lá como, com um sorriso bem grande na cara. Admito: eu também acho estranho pacas. Mas eu digo que já vi a tristeza estampada nos olhos de gente que só sabe sorrir.

O que eu quero é que você se solte, se esbalde. Esbanje essa coisa só tua de ser elegante, chiquérrima, glamorosa em demasia. Me ensine a fazer essa poesia que te exala pelos poros. Deixa eu aprender a me mover assim, felina. E acredite, minha menina, que o mundo nunca para. O rio sempre encontrará o mar, O sol sempre há de raiar. A noite nunca vai deixar de escurecer. E a lua sempre morrerá para depois renascer, fantástica. Quanto a nós: sobreviveremos. Aos trancos, aos barrancos. Até que um dia encontraremos esse nosso lugar ao sol outrora prometido.

(Mariana Lira)

Quem você anda guardando no seu armário?

Gente é que nem roupa. Umas combinam com a gente, outras não.

Por mais que sejam lindas na vitrine, não caem bem. Ficam tortas; curtas demais; folgadas ou apertadas em demasia. Não rola. Há, ainda, aquelas que estão na moda, super visadas, mas que rapidamente perdem a graça, figurinhas desbotadas e têm, como fim certo, a reciclagem. 

Há, também, aquelas inatingíveis, sonhos de consumo - as de marca (gente tem marca?!). Cobiçadas por todos, prometem muito e oferecem, em verdade, quase nada. Quando se paga o preço que valem, acabam trazendo consigo uma decepção atroz por não serem lá bem aquilo que apregoavam. E há, por fim, aquelas já gastas, velhas, batidinhas, mas pelas quais a gente nutre um carinho gigantesco. São, em regra, marcos que nos fazem lembrar de quem somos e do tamanho da nossa capacidade alheia de ser feliz. 

O meu "armário" de gentes é bem variado. Confesso que gosto das que são badaladas - tão divertidas, quase sempre com a adrenalina elevada -; me fazem sentir também cobiçada nas horas em que a auto estima não está lá nos seus melhores dias. Têm, por fim, utilidade limitada. As da moda são sazonais. Presentes nas baladinhas, elas servem pra inserir a gente num grupo, quando meio deslocados. Há os que são hippies, os nerds e os descolados; os sambistas, os ciclistas e os letrados; há os artesãos, os mambembes e os quadrados. Há, enfim, gente pra tudo que é gosto nesse meu armário ilustrado. 

Entretanto, confesso, com alegria, que meu "guarda-gentes" está repleto das batidinhas. Aquelas caras que me são conhecidas, testemunhas da minha vida, são meus "parsas". Um povo sem papas na lingua que me chama na chincha e me diz umas verdades vez por outra. Gente que é gente de verdade. São os números repetidos na minha conta telefônica, aqueles os quais me chamam, sem cerimônias, no whatsapp. 

Comigo, compõem músicas, discutem textos, viram poesia e me transmitem a verdadeira alegria de nunca, jamais, ser ilha. As minhas "gentes" já batidinhas, embora já tão visitadas, não são as mais cobiçadas, nem tampouco as que estão na moda. Não desfilam nas calçadas da fama, nem andam de carro importado, mas estão sempre ao meu lado quando um ombro é preciso. São as que também contam comigo quando o caldo entorna, quando o coração está solitário; são as que me querem ao seu lado, independente de quem eu seja. Essas gentes, que são só minhas, moram do lado esquerdo do meu peito, onde estão o amor, a verdade e o afago. No meu armário elas sempre terão um pouso; um sorriso; e todos os meus abraços. 

Quem você anda guardando no seu armário?




terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Vamos falar de amor, amor?

Quando eu era ainda uma criança, dessas meninas bem gordinhas, tímida, bicho do mato, eu sonhava com um amor de novela. Reclusa no quarto escuro, eu sonhava com os príncipes que iriam me resgatar da torre da bruxa. Ela - a bruxa -, reunia em si toda a rejeição e preconceito sofrido por uma pessoa fora dos padrões. Em casa eu era a menininha dos cachinhos perfeitos; do lado de fora, na boca do outro, eu era a criatura fora dos padrões que enfeiava a paisagem e servia para descarrego das tensões do dia. E eu chorava e sofria por não me encontrar nessa dualidade.

Cresci sonhando com um cara perfeito. Pelo tempo de sofrimento eu nunca aceitaria menos. não, de jeito nenhum! O cara dos meus sonhos tinha que ser simpático, desenrolado, fiel, sedutor, ter dinheiro, bom gosto, apartamento próprio e carro na garagem. Nessa época, eu acreditava que, aos 25 anos, estaria formada, ganhando vinte mil por mês, apartamento montado, executiva bem sucedida e, claro, marido gato do lado.

A adolescência, meu Deus, foi um martírio. Já mais amadurecida, eu compreendia que a menininha dos cachinhos lindos  fora um devaneio louco de dois pais apaixonados. Corujamente apaixonados. Ficara, então, só a menininha gorda, tola e abandonada. Sonhar com o príncipe encantado não era mais uma opção. A época de namorar, de ser cortejada, havia chegado e tudo era só sofrimento. Dos meninos pelos quais fui apaixonada, nenhum nunca quis nada comigo. E se quis, manteve em segredo pois a vergonha de namorar com a gordinha da sala era maior do que qualquer sentimento. Eu seguia sonhando, entocada no quarto escuro, mas com a cruel sapiência de que os cavaleiros alados das minhas fantasias eram apenas projeções fantasmagóricas de uma cabeça assombrada pela solidão extrema.

A experiência de ser gorda na adolescência foi traumática. No meu peito, criou a certeza de que não somos nada se não tivermos o corpo sarado, cabelos sempre loiros, andar sensual e olhos misteriosos. E assim, provida de todas essas "verdades", eu parti em busca de uma transformação sem precedentes. Aos 17 anos de idade, eu queria ser outra pessoa. Em três anos a transformação estava completa: menos 40 quilos, pernas e barriga saradas, cabelos em dia, boca carnuda e andar sensual,

O único problema era a cabeça. No afã de ser a outra, eu esqueci de cuidar das ideias e acabei mantendo-as vivas, porém quietas, no mais recôndito do meu ser. Lá, aprisionadas, elas cresciam em tamanho e proporção, fazendo-me, inconscientemente, procurar em todos os caras por uma perfeição inexistente e profana. Mas, ora bolas, eu havia me tornado a garota perfeita. Por quê. então, não haveria de procurar pelo senhor perfeição?!

Acontece, e todo mundo deve saber disso, que a perfeição é uma falácia. Uma mentira mal contada por gente insegura e desocupada, tentando esconder-se nos padrões mais plásticos. Assim, não foram poucas as vezes nas quais quebrei a cara. Muitas foram as decepções, as cobranças extremas, as bolas fora até que o meu coração, por fim, aparasse as arestas e se abrisse para o amor verdadeiro.

O amor, como bem escreveu uma amiga, é um bicho simples. Alimenta-se da singeleza, do corriqueiro, do cuidado que acontece nas pequenos gestos. Nasce de pequenas vontades diárias de estar junto, de passar pelas dificuldades de mãos dadas. O amor verdadeiro, quando necessário, quebra o espelho, transformando ditas imperfeições em detalhes únicos. Ou, quando presencia o sofrimento do outro, faz de um tudo para ajudá-lo a encontrar-se no meio do temporal.

Esse amor, que não é artífice, perdoa, edifica e constrói. Vai buscar o pão na padaria, come cachorro quente, anda de õnibus, tudo para lhe ver mais bonita. Luta pelos sonhos junto. Acredita na verdade das suas apostas. Se joga nas aventuras, acorda às cinco da matina e vislumbra um futuro promissor em cada pequena vitória.

(Mariana Lira)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Vamos andar de trem?!

Vamos passear de trem?

Foi com esta pergunta que meu pai abordou Heitor neste último sábado. Almoçávamos. Um almoço sem muitas expectativas. Simples e caseiro. Gostoso. Mas sem muitas promessas. E de repente meu pai saiu com essa. Eu, cá com meus botões, sem querer bancar a chata, pensei: ora essa, andar de trem?! Trem, não, você quis dizer Metrô! E quem veria diversão em andar de metrô?! Imediatamente recordei-me dos relatos dantescos de Edileuza, nossa empregada, acerca de suas aventuras rumo ao trabalho e no retorno à sua casa. Empurra pra lá, empurra pra cá. Aperta que cabe mais um. Cuidado com a mão boba. Respira pra suportar o pum. Encrenca com a estressada da vez. Piadinha do machão do dia. E muita paciência para suportar o trajeto que, apesar de rápido, parecia durar um dia. 

Definitivamente andar de Metrô não era um passeio. É cláro - óbvio -, que eu já havia andado de metrô. Mas foi por necessidade e força das circunstâncias. Por pura obrigação. Como poderia, então, haver alguma diversão?! Ok, ok. Como eu disse, eu não queria bancar a chata. Coloquei o melhor sorriso possível naquela situação, respirei fundo e tentei entrar na sintonia da animação esfuziante dos meus pai, marido e filho. É, nós íamos andar de metrô. 

Raphael - o marido -, lembrou-se, então, do Museu do Metrô, na Velha estação, o qual havia sido reinaugurado a pouco. Eu não sabia, mas, neste momento, pequenos traços de memória, tímidos ainda, começaram a brotar em minha mente. Pedaços esquecidos da minha história. Em minhas andanças, eu sempre passava pelo museu da estação velha e nutria uma pequena tristeza pelo seu abandono. Ali, trancadas naquelas imensas portas de ferro, também estavam reclusas doces lembranças da minha infância. 

Seguimos de carro até a Casa da Cultura, outro ponto turístico do meu Recife. A casa, que já foi lugar de medo e exclusão, quando da escravatura e da ditadura, hoje abriga cor, beleza e história viva. Deixamos o carro no estacionamento e seguimos a pé para a Velha Estação. Na entrada, muito lixo e sujeira. E isso inquietou meu coração. Como podem os cidadãos não cuidarem de um patrimônio que conta um pouco sobre como nos tornamos a sociedade que somos hoje?! Perguntas que ficaram presas na garganta, sem respostas aparentes. 

À porta, uma moça estranha, de aparência peculiar, cabelos louros e sorriso esquizofrênico nos aguardava. Simpática. Estranhamente simpática. Provida de toda esta esfuziante simpatia, ela nos guiou ao interior do museu, onde fomos sugados para um túnel do tempo. Cenas de um passado distante começaram a pulular na minha mente e, então, eu entendi a beleza do convite feito naquela tarde. Quando eu era criança, meu pai e avós paternos me guiaram por aquele mesmo passeio - indo ao museu e depois ao passeio de trem. Até os gatinhos, os quais adotaram as velhas locomotivas como morada, estavam lá. 

Eu lembrei do som da voz do meu avô e até do toque macio das mãos da minha avó. Um sorriso juvenil do meu pai tomou minha tela mental. E, de repente, eu o enxerguei jovem e barbudo, sorrindo candidamente o mais belo dos sorrisos. Foi difícil conter as lágrimas, mas eu sou durona. Também não queria intervir na mágica daquele momento. Enquanto meu pai se divertia lembrando das vezes em que andou em locomotivas como aquelas, eu me emocionava com cada nova descoberta. 

Lá, havia uma sala dedicada às pessoas que trabalhavam duro na construção das pesadas pelças de ferro. No antigo vídeo, ainda em preto e branco, funileiros teciam as engrenagens que levariam a modernidade pelos trilhos, Brasil a fora. "Eita, que eu me lembrei de uma pessoa...". Embevecido, olhar distante, meu pai sorria um sorriso bobo e saudoso enquanto lembrava ele mesmo do seu próprio pai. Seu pai. Meu avô. Figura cara das minhas memórias. Minha referência. Meu amigo. Meu melhor amigo. Meu avô. Que passeio especial era esse!! 

A partir daí, andar de metrô tomou um gosto diferente. Do museu, partimos para a estação, onde as lembranças estavam, agora, pulando felizes ao meu lado. Em lembrei do colo da minha avó e da felicidade gigantesca por estar ali. Do espantamento com a rapidez do trem. Da felicidade que uma criança sente quando frente a frente com o novo. Tentei passar ao meu filho um pouco daquela sensação que, de repente, me tomava de assalto. Fui preenchida pelo som dos meus próprios sorrisos infantis. Pelo cheiro do abraço da minha avó. Pela felicidade no sorriso de outrora do meu pai. 

Tão rápido quanto começou, o passeio terminou. De volta à velha estação, eu era outra mulher, outra mãe, outra filha. Aquele passeio de metrô havia aberto, em mim, pequenas instâncias de memória que estavam perdidas eu nem sei por quê. Vamos andar de metrô?! Vamos andar de trem?! Vamos ser felizes!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

(Re) Nascendo

Você tem transado com o seu marido?!

Aquela pergunta, feita do outro lado da linha, me assolapou de pronto. Deixou-me em alerta para uma questão, que, até o momento, estava, digamos assim, em stand by. Subitamente eu respondi que sim! É claro!! Quem não transa com o marido?! Mas a verdade é que eu não transava com meu marido. Após o tão aguardado fim do resguardo, eu me encontrava no limbo - um embróglio danado entre a mulher que eu fora e a mãe que eu me tornara. Não, eu não transava com meu marido.

Transar, na minha humilde concepção, vai muito além do sexo. Começa numa troca desleixada de olhares. Na possibilidade de aproveitar uma oportunidade imperdível. No toque sôfrego dos corpos. Numa malemolência que vai se revestindo de vontade e, de repente, explode num sei lá o quê maravilhoso. A pequena morte de todos os dias.

Não, definitivamente, eu não transava com meu marido. Mas, pensando agora, como eu poderia? Depois de tornar-me mãe, olhar no espelho virou o grande dilema, a minha grande agonia. Nós, mulheres, quando nos dispomos a gestar, abrimos mão de um sem número de coisas. Tacitamente. "Bestamente". Cegamente, nos entregamos ao sonho dourado de dar vazão à vida. Entretanto, junto com o devaneio maternal, impulsionado por toda a propaganda com aquelas grávidas lindas, vem uma série de coisas com as quais nós simplesmente não contávamos.

Em menos de 1 ano, deixamos de ser as belas mulheres no auge dos trinta - independentes, charmosas, divertidas e cheias de sortilégios. Queremos enxergar isso quando a gravidez se vai, mas, no espelho, é outra mulher que nos mira. Uma mulher cansada, exausta, confusa, temerosa e cheia de vergonha de gritar ao mundo que - não! -, não era bem aquilo que era queria. Os primeiros momentos à frente do espelho são terríveis. Cabelos desgrenhados, peitos (geralmente) à mostra; sutiã bege, com alças largas; calçolão da vovó e um par de olheiras que, você jura, não estava ali. Quando meu filho, ainda um bebê, me fitava com seus grandes olhos castanhos pedindo para sorver-me o leite, eu me enxergava apenas como um par de peitos. Um grande, gordo e suculento par de peitos.

Como, então, alguém poderia conseguir transar assim? Por quê a transa, a transa de verdade, não depende só do homem, é claro. Depende da mulher conseguir sentir-se, na melhor das palavras, gostosa. E uma mulher recém-parida é tudo, menos gostosa.

Comecei a pensar nas tentativas horrendas de retomarmos a vida de casados no pós-parto. Aquela barriga, que não estava ali, começa a balançar e você se constrange; o bebê, que geralmente dorme no quarto dos pais, parece ameaçar, silenciosamente, acordar a qualquer momento. Não há aceite interno que permita o momento fluir. E tudo termina como começou - estranho, rápido e sem gosto.

Depois de três anos de "parida" eu formulei uma teoria. Creio firmemente que, após a gestação, inicia-se um outro período gestacional. Mais longo, mais dolorido e muito mais profundo. A mãe, que nasceu junto com o filho, começa a gestar a nova mulher a qual nascerá da junção de todas as experiências. Uma mulher mais "sabida" das coisas, em sintonia com o próprio corpo e que, de repente, toma as rédeas da situação.

Após a gestação da gestação, a mulher recomeça a transar. Transar com a vida, consigo mesmo, com o parceiro. E reaprende a explodir seus anseios, a lidar com seus medos, a respeitar os limites do seu corpo. Nasce uma mulher-mulher, que é mãe nas horas vagas. No (re)nascimento da mulher, (re)nasce, também, um homem, um casamento, uma vida.

E se a amiga me perguntasse hoje: você já transou com seu marido?

Mas é claro, querida!

(Mariana Lira)

Eu sou igual a você

Mulher,

Eu sou igual a você. 

Tenho estrias, flacidêz, tendinite, talvez artrite e alguma outra ite à espreita - escondida. Eu sou uma mulher comum. Sem o corpo da moda. Sem o cabelo da moda. Mulher de olhos castanhos, olheiras e pele um tanto amarelada devido aos dias trancada dentro de quatro paredes, na labuta diária pelo pãozinho no final do dia. Gosto de tomar cerveja nas sextas-feiras, finjo não ter ciúmes, adoro uma baladinha vez por outra e, às vezes, também surto. 
Quero jogar tudo pra cima! Pintar o cabelo, fazer as unhas, tornar-me uma bond-girl em suas mil e uma facetas. Se você tem filhos, é provável que sejamos ainda mais parecidas. Por certo, assim como eu, você também perde a paciência umas trinta vezes por dia. Depois, arrepende-se. E, aflita, retorna para encher de beijos aqueles serzinho dono de todo o seu amor. Olha pra sala, revoltada, desesperada, tentando enxergar naquele cômodo, desarrumado, feio, fedorento, um pequeno rastro do que foi no passado. Olha para os CDs amontoados sobre a estante, aos quais nunca mais ouviu; sonha em assistir aos filmes empoeirados dentro das caixinhas; viaja na ideia de uma tarde sozinha, sem ouvir os diálogos da pepa ou as (irritantes) canções da galinha pintadinha. (calma!)
Eu também sou insegura quanto ao futuro, ao presente, ao dia a dia. Penso nas escolhas que fiz; De algumas me arrependo, de outras eu nunca me arrependeria. Como poderia, enfim?! 
Eu sei que hoje em dia é difícil ser mulher. Vivemos no limiar de uma nova era, com um dos pés ainda fincados num passado onde os afazeres domésticos pertenciam somente a nós e a cabeça em um presente-futuro no qual somos as chefes de família. Sei que é difícil enfrentar a cobrança deste mundo louco que nos exige a produção de uma prole sadia, a força para o labor diário, o corpo perfeito das atrizes do cinema e, ainda por cima, bom humor no fim do dia. 
E, como mulher, eu afirmo: nós conseguimos! Fazemos tantas proezas ao longo da existência que é de uma injustiça atroz comparar a mulher maravilha a qualquer uma de nós. Longe do pedantismo de lançar mão de exemplo tão batido, façam-me o favor: respeitem a nós, mulheres do dia a dia. Somos mais fortes do que qualquer heroína. Somos mulheres, mães, cortesãs, artesãs - somos força e poesia. Não seria justo nos reduzir à tal caricatura tão primitiva.
(Mariana Lira)