quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Você conhece um sequestrador de sorrisos?!

Ele pode estar mais perto do que você pensa.

Todo mundo me diz: é preciso manter a positividade! Afirmar, mentalmente, em silêncio ou aos gritos, que tudo vai dar certo, caminhar para o seu local determinado. Entretanto, tem gente que sequestra sorrisos. São os especialistas em acabar com o seu dia.

Sequestradores de sorrisos são criaturas comuns. Geralmente caminham por aí, disfarçados, insolentes e sonsos. São gente comum: com trabalho, contas para pagar e rotina diária. Mas esses caras - por Deus -, sabem direitinho como atacar de jeito. E te derrubam quando você menos espera.

O baque pode ser grande. Quando sonhamos, ficamos pairando nas alturas, acima das nuvens - acreditando no impossível da felicidade. Estamos naquele momento mágico do acreditar. De lá de cima, mal enxergamos que, cheios de sortilégios, os bandidinhos estão chegando. Como se fôssemos bolas de festa estouradas, caímos, bombásticos, sonhos abaixo.

É fácil levantar-se, mas não reconstruir-se. "Dessequestrar" um sorriso é como aventurar-se num mundo novo, desconhecido: cada passo dado no resgate das nossas metas é uma ferida reaberta, que sangra, e dói, e pulsa - purulenta. Desesperar?! Sempre e jamais!

Um sequestrador de sorrisos pode ser, enfim, qualquer um. Qualquer pessoa que, provendo-se de palavras duras, julgamentos injustos e acusações infundadas, resolva jogar-lhe na cara a sua enorme incompetência. O seu fracasso diante do sonho não concretizado. Esta é a pior queda: enfrentar, cara a cara, o maior dos seus terrores - a própria incapacidade de continuar.

Mas, como dizem todos os demais: é preciso respirar e acreditar que, um dia, tudo dá certo; caminha na direção correta; acontece, enfim. É preciso respirar - chorar também, se preciso for -, e, quando conveniente, aprender a dizer um "foda-se!" com bastante pertinência. E ter a tal da resiliência. Numa quantidade nem grande.

Então, mando um FODA-SE para você de presente.

(Mariana Lira)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

À Francesa

Francesa,

Eu queria confortá-la com palavras brandas e conselhos sábios de quem conhece a razão das coisas. Gostaria de aquietar seu coração, afirmando categoricamente que, pela manhã, o mundo estará diferente e nós estaremos bem. Eu adoraria ver em seu rosto um sorriso de domingo, ao passo que brota em seu coração a certeza de tempos melhores. Mas a verdade, mulher, é que eu não posso.

Eu sou igual a você, já te disse. Inseguranças, medos, fracassos, anseios, palpitações, elucubrações - as minhas, as suas, as nossas, são as mesmas, são irmãs. Vivemos com o coração à boca, esperando pelo momento indizível no qual veremos concretizadas todas as expectativas. E olhe que não são poucas. Na guela, um grito mudo que insiste em nos engasgar; no peito um aperto, um sem jeito, uma eterna tentativa de se enquadrar num mundo que parece nos cuspir porta à fora.

Mas, deixa eu te falar. Aliás, deixa eu repetir. Eu gostaria de te mostrar essa mulher que eu vejo bailando na minha frente. Sorriso feliz, infante. Lábios vermelhos, suntuosos. Alma grande, brilhante, escandalosa. E uma certeza das coisas que me apavora. Eu gostaria de transformar o que eu vejo no teu espelho, para que este reflexo, que é teu, tão belo, deixasse de ser esse oposto pelo qual você tanto busca.

Eu sei, eu sei. Ao ler isso, você com certeza se questionará: mas que imagem é essa, distorcida? Deve ser coisa de amiga, louca para confortar, dizer palavras bonitas. Mas, Francesa, eu me espanto por este ser fantástico, o qual eu nutro e amo, ser o seu inverso. Esse outro lado obscuro que você insiste em não enxergar. Pois para mim ela brilha, encandeia. Brilha e deixa brilhar.

O que eu posso te dizer, pequena, é que ninguém é totalmente feliz, assim, em demasia, Os que os dizem, acredite, também sofrem. Cada ser tem a medida de sofrimento que lhe convém ou lhe foi entregue. E suporta - uns aos gritos, outros em silêncio e estes, sei lá como, com um sorriso bem grande na cara. Admito: eu também acho estranho pacas. Mas eu digo que já vi a tristeza estampada nos olhos de gente que só sabe sorrir.

O que eu quero é que você se solte, se esbalde. Esbanje essa coisa só tua de ser elegante, chiquérrima, glamorosa em demasia. Me ensine a fazer essa poesia que te exala pelos poros. Deixa eu aprender a me mover assim, felina. E acredite, minha menina, que o mundo nunca para. O rio sempre encontrará o mar, O sol sempre há de raiar. A noite nunca vai deixar de escurecer. E a lua sempre morrerá para depois renascer, fantástica. Quanto a nós: sobreviveremos. Aos trancos, aos barrancos. Até que um dia encontraremos esse nosso lugar ao sol outrora prometido.

(Mariana Lira)

Quem você anda guardando no seu armário?

Gente é que nem roupa. Umas combinam com a gente, outras não.

Por mais que sejam lindas na vitrine, não caem bem. Ficam tortas; curtas demais; folgadas ou apertadas em demasia. Não rola. Há, ainda, aquelas que estão na moda, super visadas, mas que rapidamente perdem a graça, figurinhas desbotadas e têm, como fim certo, a reciclagem. 

Há, também, aquelas inatingíveis, sonhos de consumo - as de marca (gente tem marca?!). Cobiçadas por todos, prometem muito e oferecem, em verdade, quase nada. Quando se paga o preço que valem, acabam trazendo consigo uma decepção atroz por não serem lá bem aquilo que apregoavam. E há, por fim, aquelas já gastas, velhas, batidinhas, mas pelas quais a gente nutre um carinho gigantesco. São, em regra, marcos que nos fazem lembrar de quem somos e do tamanho da nossa capacidade alheia de ser feliz. 

O meu "armário" de gentes é bem variado. Confesso que gosto das que são badaladas - tão divertidas, quase sempre com a adrenalina elevada -; me fazem sentir também cobiçada nas horas em que a auto estima não está lá nos seus melhores dias. Têm, por fim, utilidade limitada. As da moda são sazonais. Presentes nas baladinhas, elas servem pra inserir a gente num grupo, quando meio deslocados. Há os que são hippies, os nerds e os descolados; os sambistas, os ciclistas e os letrados; há os artesãos, os mambembes e os quadrados. Há, enfim, gente pra tudo que é gosto nesse meu armário ilustrado. 

Entretanto, confesso, com alegria, que meu "guarda-gentes" está repleto das batidinhas. Aquelas caras que me são conhecidas, testemunhas da minha vida, são meus "parsas". Um povo sem papas na lingua que me chama na chincha e me diz umas verdades vez por outra. Gente que é gente de verdade. São os números repetidos na minha conta telefônica, aqueles os quais me chamam, sem cerimônias, no whatsapp. 

Comigo, compõem músicas, discutem textos, viram poesia e me transmitem a verdadeira alegria de nunca, jamais, ser ilha. As minhas "gentes" já batidinhas, embora já tão visitadas, não são as mais cobiçadas, nem tampouco as que estão na moda. Não desfilam nas calçadas da fama, nem andam de carro importado, mas estão sempre ao meu lado quando um ombro é preciso. São as que também contam comigo quando o caldo entorna, quando o coração está solitário; são as que me querem ao seu lado, independente de quem eu seja. Essas gentes, que são só minhas, moram do lado esquerdo do meu peito, onde estão o amor, a verdade e o afago. No meu armário elas sempre terão um pouso; um sorriso; e todos os meus abraços. 

Quem você anda guardando no seu armário?




terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Vamos falar de amor, amor?

Quando eu era ainda uma criança, dessas meninas bem gordinhas, tímida, bicho do mato, eu sonhava com um amor de novela. Reclusa no quarto escuro, eu sonhava com os príncipes que iriam me resgatar da torre da bruxa. Ela - a bruxa -, reunia em si toda a rejeição e preconceito sofrido por uma pessoa fora dos padrões. Em casa eu era a menininha dos cachinhos perfeitos; do lado de fora, na boca do outro, eu era a criatura fora dos padrões que enfeiava a paisagem e servia para descarrego das tensões do dia. E eu chorava e sofria por não me encontrar nessa dualidade.

Cresci sonhando com um cara perfeito. Pelo tempo de sofrimento eu nunca aceitaria menos. não, de jeito nenhum! O cara dos meus sonhos tinha que ser simpático, desenrolado, fiel, sedutor, ter dinheiro, bom gosto, apartamento próprio e carro na garagem. Nessa época, eu acreditava que, aos 25 anos, estaria formada, ganhando vinte mil por mês, apartamento montado, executiva bem sucedida e, claro, marido gato do lado.

A adolescência, meu Deus, foi um martírio. Já mais amadurecida, eu compreendia que a menininha dos cachinhos lindos  fora um devaneio louco de dois pais apaixonados. Corujamente apaixonados. Ficara, então, só a menininha gorda, tola e abandonada. Sonhar com o príncipe encantado não era mais uma opção. A época de namorar, de ser cortejada, havia chegado e tudo era só sofrimento. Dos meninos pelos quais fui apaixonada, nenhum nunca quis nada comigo. E se quis, manteve em segredo pois a vergonha de namorar com a gordinha da sala era maior do que qualquer sentimento. Eu seguia sonhando, entocada no quarto escuro, mas com a cruel sapiência de que os cavaleiros alados das minhas fantasias eram apenas projeções fantasmagóricas de uma cabeça assombrada pela solidão extrema.

A experiência de ser gorda na adolescência foi traumática. No meu peito, criou a certeza de que não somos nada se não tivermos o corpo sarado, cabelos sempre loiros, andar sensual e olhos misteriosos. E assim, provida de todas essas "verdades", eu parti em busca de uma transformação sem precedentes. Aos 17 anos de idade, eu queria ser outra pessoa. Em três anos a transformação estava completa: menos 40 quilos, pernas e barriga saradas, cabelos em dia, boca carnuda e andar sensual,

O único problema era a cabeça. No afã de ser a outra, eu esqueci de cuidar das ideias e acabei mantendo-as vivas, porém quietas, no mais recôndito do meu ser. Lá, aprisionadas, elas cresciam em tamanho e proporção, fazendo-me, inconscientemente, procurar em todos os caras por uma perfeição inexistente e profana. Mas, ora bolas, eu havia me tornado a garota perfeita. Por quê. então, não haveria de procurar pelo senhor perfeição?!

Acontece, e todo mundo deve saber disso, que a perfeição é uma falácia. Uma mentira mal contada por gente insegura e desocupada, tentando esconder-se nos padrões mais plásticos. Assim, não foram poucas as vezes nas quais quebrei a cara. Muitas foram as decepções, as cobranças extremas, as bolas fora até que o meu coração, por fim, aparasse as arestas e se abrisse para o amor verdadeiro.

O amor, como bem escreveu uma amiga, é um bicho simples. Alimenta-se da singeleza, do corriqueiro, do cuidado que acontece nas pequenos gestos. Nasce de pequenas vontades diárias de estar junto, de passar pelas dificuldades de mãos dadas. O amor verdadeiro, quando necessário, quebra o espelho, transformando ditas imperfeições em detalhes únicos. Ou, quando presencia o sofrimento do outro, faz de um tudo para ajudá-lo a encontrar-se no meio do temporal.

Esse amor, que não é artífice, perdoa, edifica e constrói. Vai buscar o pão na padaria, come cachorro quente, anda de õnibus, tudo para lhe ver mais bonita. Luta pelos sonhos junto. Acredita na verdade das suas apostas. Se joga nas aventuras, acorda às cinco da matina e vislumbra um futuro promissor em cada pequena vitória.

(Mariana Lira)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Vamos andar de trem?!

Vamos passear de trem?

Foi com esta pergunta que meu pai abordou Heitor neste último sábado. Almoçávamos. Um almoço sem muitas expectativas. Simples e caseiro. Gostoso. Mas sem muitas promessas. E de repente meu pai saiu com essa. Eu, cá com meus botões, sem querer bancar a chata, pensei: ora essa, andar de trem?! Trem, não, você quis dizer Metrô! E quem veria diversão em andar de metrô?! Imediatamente recordei-me dos relatos dantescos de Edileuza, nossa empregada, acerca de suas aventuras rumo ao trabalho e no retorno à sua casa. Empurra pra lá, empurra pra cá. Aperta que cabe mais um. Cuidado com a mão boba. Respira pra suportar o pum. Encrenca com a estressada da vez. Piadinha do machão do dia. E muita paciência para suportar o trajeto que, apesar de rápido, parecia durar um dia. 

Definitivamente andar de Metrô não era um passeio. É cláro - óbvio -, que eu já havia andado de metrô. Mas foi por necessidade e força das circunstâncias. Por pura obrigação. Como poderia, então, haver alguma diversão?! Ok, ok. Como eu disse, eu não queria bancar a chata. Coloquei o melhor sorriso possível naquela situação, respirei fundo e tentei entrar na sintonia da animação esfuziante dos meus pai, marido e filho. É, nós íamos andar de metrô. 

Raphael - o marido -, lembrou-se, então, do Museu do Metrô, na Velha estação, o qual havia sido reinaugurado a pouco. Eu não sabia, mas, neste momento, pequenos traços de memória, tímidos ainda, começaram a brotar em minha mente. Pedaços esquecidos da minha história. Em minhas andanças, eu sempre passava pelo museu da estação velha e nutria uma pequena tristeza pelo seu abandono. Ali, trancadas naquelas imensas portas de ferro, também estavam reclusas doces lembranças da minha infância. 

Seguimos de carro até a Casa da Cultura, outro ponto turístico do meu Recife. A casa, que já foi lugar de medo e exclusão, quando da escravatura e da ditadura, hoje abriga cor, beleza e história viva. Deixamos o carro no estacionamento e seguimos a pé para a Velha Estação. Na entrada, muito lixo e sujeira. E isso inquietou meu coração. Como podem os cidadãos não cuidarem de um patrimônio que conta um pouco sobre como nos tornamos a sociedade que somos hoje?! Perguntas que ficaram presas na garganta, sem respostas aparentes. 

À porta, uma moça estranha, de aparência peculiar, cabelos louros e sorriso esquizofrênico nos aguardava. Simpática. Estranhamente simpática. Provida de toda esta esfuziante simpatia, ela nos guiou ao interior do museu, onde fomos sugados para um túnel do tempo. Cenas de um passado distante começaram a pulular na minha mente e, então, eu entendi a beleza do convite feito naquela tarde. Quando eu era criança, meu pai e avós paternos me guiaram por aquele mesmo passeio - indo ao museu e depois ao passeio de trem. Até os gatinhos, os quais adotaram as velhas locomotivas como morada, estavam lá. 

Eu lembrei do som da voz do meu avô e até do toque macio das mãos da minha avó. Um sorriso juvenil do meu pai tomou minha tela mental. E, de repente, eu o enxerguei jovem e barbudo, sorrindo candidamente o mais belo dos sorrisos. Foi difícil conter as lágrimas, mas eu sou durona. Também não queria intervir na mágica daquele momento. Enquanto meu pai se divertia lembrando das vezes em que andou em locomotivas como aquelas, eu me emocionava com cada nova descoberta. 

Lá, havia uma sala dedicada às pessoas que trabalhavam duro na construção das pesadas pelças de ferro. No antigo vídeo, ainda em preto e branco, funileiros teciam as engrenagens que levariam a modernidade pelos trilhos, Brasil a fora. "Eita, que eu me lembrei de uma pessoa...". Embevecido, olhar distante, meu pai sorria um sorriso bobo e saudoso enquanto lembrava ele mesmo do seu próprio pai. Seu pai. Meu avô. Figura cara das minhas memórias. Minha referência. Meu amigo. Meu melhor amigo. Meu avô. Que passeio especial era esse!! 

A partir daí, andar de metrô tomou um gosto diferente. Do museu, partimos para a estação, onde as lembranças estavam, agora, pulando felizes ao meu lado. Em lembrei do colo da minha avó e da felicidade gigantesca por estar ali. Do espantamento com a rapidez do trem. Da felicidade que uma criança sente quando frente a frente com o novo. Tentei passar ao meu filho um pouco daquela sensação que, de repente, me tomava de assalto. Fui preenchida pelo som dos meus próprios sorrisos infantis. Pelo cheiro do abraço da minha avó. Pela felicidade no sorriso de outrora do meu pai. 

Tão rápido quanto começou, o passeio terminou. De volta à velha estação, eu era outra mulher, outra mãe, outra filha. Aquele passeio de metrô havia aberto, em mim, pequenas instâncias de memória que estavam perdidas eu nem sei por quê. Vamos andar de metrô?! Vamos andar de trem?! Vamos ser felizes!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

(Re) Nascendo

Você tem transado com o seu marido?!

Aquela pergunta, feita do outro lado da linha, me assolapou de pronto. Deixou-me em alerta para uma questão, que, até o momento, estava, digamos assim, em stand by. Subitamente eu respondi que sim! É claro!! Quem não transa com o marido?! Mas a verdade é que eu não transava com meu marido. Após o tão aguardado fim do resguardo, eu me encontrava no limbo - um embróglio danado entre a mulher que eu fora e a mãe que eu me tornara. Não, eu não transava com meu marido.

Transar, na minha humilde concepção, vai muito além do sexo. Começa numa troca desleixada de olhares. Na possibilidade de aproveitar uma oportunidade imperdível. No toque sôfrego dos corpos. Numa malemolência que vai se revestindo de vontade e, de repente, explode num sei lá o quê maravilhoso. A pequena morte de todos os dias.

Não, definitivamente, eu não transava com meu marido. Mas, pensando agora, como eu poderia? Depois de tornar-me mãe, olhar no espelho virou o grande dilema, a minha grande agonia. Nós, mulheres, quando nos dispomos a gestar, abrimos mão de um sem número de coisas. Tacitamente. "Bestamente". Cegamente, nos entregamos ao sonho dourado de dar vazão à vida. Entretanto, junto com o devaneio maternal, impulsionado por toda a propaganda com aquelas grávidas lindas, vem uma série de coisas com as quais nós simplesmente não contávamos.

Em menos de 1 ano, deixamos de ser as belas mulheres no auge dos trinta - independentes, charmosas, divertidas e cheias de sortilégios. Queremos enxergar isso quando a gravidez se vai, mas, no espelho, é outra mulher que nos mira. Uma mulher cansada, exausta, confusa, temerosa e cheia de vergonha de gritar ao mundo que - não! -, não era bem aquilo que era queria. Os primeiros momentos à frente do espelho são terríveis. Cabelos desgrenhados, peitos (geralmente) à mostra; sutiã bege, com alças largas; calçolão da vovó e um par de olheiras que, você jura, não estava ali. Quando meu filho, ainda um bebê, me fitava com seus grandes olhos castanhos pedindo para sorver-me o leite, eu me enxergava apenas como um par de peitos. Um grande, gordo e suculento par de peitos.

Como, então, alguém poderia conseguir transar assim? Por quê a transa, a transa de verdade, não depende só do homem, é claro. Depende da mulher conseguir sentir-se, na melhor das palavras, gostosa. E uma mulher recém-parida é tudo, menos gostosa.

Comecei a pensar nas tentativas horrendas de retomarmos a vida de casados no pós-parto. Aquela barriga, que não estava ali, começa a balançar e você se constrange; o bebê, que geralmente dorme no quarto dos pais, parece ameaçar, silenciosamente, acordar a qualquer momento. Não há aceite interno que permita o momento fluir. E tudo termina como começou - estranho, rápido e sem gosto.

Depois de três anos de "parida" eu formulei uma teoria. Creio firmemente que, após a gestação, inicia-se um outro período gestacional. Mais longo, mais dolorido e muito mais profundo. A mãe, que nasceu junto com o filho, começa a gestar a nova mulher a qual nascerá da junção de todas as experiências. Uma mulher mais "sabida" das coisas, em sintonia com o próprio corpo e que, de repente, toma as rédeas da situação.

Após a gestação da gestação, a mulher recomeça a transar. Transar com a vida, consigo mesmo, com o parceiro. E reaprende a explodir seus anseios, a lidar com seus medos, a respeitar os limites do seu corpo. Nasce uma mulher-mulher, que é mãe nas horas vagas. No (re)nascimento da mulher, (re)nasce, também, um homem, um casamento, uma vida.

E se a amiga me perguntasse hoje: você já transou com seu marido?

Mas é claro, querida!

(Mariana Lira)

Eu sou igual a você

Mulher,

Eu sou igual a você. 

Tenho estrias, flacidêz, tendinite, talvez artrite e alguma outra ite à espreita - escondida. Eu sou uma mulher comum. Sem o corpo da moda. Sem o cabelo da moda. Mulher de olhos castanhos, olheiras e pele um tanto amarelada devido aos dias trancada dentro de quatro paredes, na labuta diária pelo pãozinho no final do dia. Gosto de tomar cerveja nas sextas-feiras, finjo não ter ciúmes, adoro uma baladinha vez por outra e, às vezes, também surto. 
Quero jogar tudo pra cima! Pintar o cabelo, fazer as unhas, tornar-me uma bond-girl em suas mil e uma facetas. Se você tem filhos, é provável que sejamos ainda mais parecidas. Por certo, assim como eu, você também perde a paciência umas trinta vezes por dia. Depois, arrepende-se. E, aflita, retorna para encher de beijos aqueles serzinho dono de todo o seu amor. Olha pra sala, revoltada, desesperada, tentando enxergar naquele cômodo, desarrumado, feio, fedorento, um pequeno rastro do que foi no passado. Olha para os CDs amontoados sobre a estante, aos quais nunca mais ouviu; sonha em assistir aos filmes empoeirados dentro das caixinhas; viaja na ideia de uma tarde sozinha, sem ouvir os diálogos da pepa ou as (irritantes) canções da galinha pintadinha. (calma!)
Eu também sou insegura quanto ao futuro, ao presente, ao dia a dia. Penso nas escolhas que fiz; De algumas me arrependo, de outras eu nunca me arrependeria. Como poderia, enfim?! 
Eu sei que hoje em dia é difícil ser mulher. Vivemos no limiar de uma nova era, com um dos pés ainda fincados num passado onde os afazeres domésticos pertenciam somente a nós e a cabeça em um presente-futuro no qual somos as chefes de família. Sei que é difícil enfrentar a cobrança deste mundo louco que nos exige a produção de uma prole sadia, a força para o labor diário, o corpo perfeito das atrizes do cinema e, ainda por cima, bom humor no fim do dia. 
E, como mulher, eu afirmo: nós conseguimos! Fazemos tantas proezas ao longo da existência que é de uma injustiça atroz comparar a mulher maravilha a qualquer uma de nós. Longe do pedantismo de lançar mão de exemplo tão batido, façam-me o favor: respeitem a nós, mulheres do dia a dia. Somos mais fortes do que qualquer heroína. Somos mulheres, mães, cortesãs, artesãs - somos força e poesia. Não seria justo nos reduzir à tal caricatura tão primitiva.
(Mariana Lira)