quarta-feira, 20 de abril de 2016

Meu coração fica do lado Esquerdo do peito



Nasci e cresci num bairro simples - a Campina do Barreto -, na zona norte do Recife. Morava com meus pais, bem perto de uma tia e dos meus avós paternos. Vivia cercada de primos, de sol e de muito carinho. É dos meus anos de meninisse que eu guardo mais saudade. Entretanto, acima de tudo - do carinho, do amor, do cuidado -, eu vivia cercada de valores. Aprendi, desde cedo, que todos nós, sem exceção, somos iguais e que não há no mundo ninguém melhor ou pior do que o outro (com algumas poucas exceções). Desde cedo, entendi que era melhor dividir para multiplicar e que a vida se faz com muita luta, honestidade e garra. De outro modo não dá.

A década em que nasci, os idos anos de 1980 e companhia, foi apelidada de perdida. O país estava quebrado. O milagre econômico dos militares implodiu, como uma bomba atômica, mostrando os mandos e desmandos dos anos de chumbo. Convivíamos com uma inflação entre 200 e mais de 400%, salários congelados e com a necessidade do abastecimento de contingência, pois temia-se a subida vertiginosa e repentina dos preços e o consequente desabastecimento. O cálcio era garantido nas famosas filas do leite e as pessoas se tornaram os "fiscais do Sarney", uma tentativa que partiu de uma população esfacelada pela guerra econômica.

Mas criança é blindada dessas coisas, né?! E eu pouco me lembro desses momentos funestos da minha história. O pouco que sei se deve ao enorme esforço que meus pais fizeram para que nós tivéssemos memórias e não nos tornássemos anencéfalos. Do que eu me lembro bem é de ouvir, na vitrola dos meus pais, o Chico, o Caetano e o Vandré entoando gritos de ordem que marcaram uma época. Quando criança eu não sabia, mais de 80 a 85 ainda convivíamos com mortes, tortura e desaparecimento daqueles que ousavam lutar por um outro país. Quando me dei por gente e pude entender tudo o que havia acometido o Brasil naqueles vinte anos negros, tomei asco por essa gente - a qual se acha mais gente do que nós, pobres mortais.

Cresci, tornei-me petista, admiradora das causas sociais e militante - hora ativa, hora paciente e adormecida. Mas sempre militante. Não poderia ser diferente, visto que meu coração fica do lado esquerdo do peito. E é por isso que esse músculo saltitante petrificou-se ao ouvir, quando da votação tresloucada pela abertura do processo que visa ao impedimento da Presidente (honesta, valente e cabra da peste), a homenagem do "excelentíssimo" senhor Deputado Federal (representante do povo, viu?!?!) Jair Bolsonaro ao falecido (graças a Deus) Coronel Ustra.

A citada figura foi chefe comandante do Destacamento de Operações Internas (DOI-Codi) de São Paulo, no período de 1970 a 1974, e tornou-se, em 2008, o primeiro militar do período ditatorial a ser enquadrado legalmente como Torturador. Foi esta figura a quem o digníssimo deputado citado rendeu suas homenagens Ustra foi comprovadamente acusado de torturar mulheres, inclusive grávidas, com práticas de uma crueldade acima de qualquer perversidade imaginável - enfiava ratos em suas vaginas; as amarrava com fios desencapados e as eletrocutava; deixava-as nuas, em pelo, moribundas, em salas escuras a apodrecer com seu próprio sangue e com suas fezes. Uma de suas vítimas, por sinal, foi a senhora Presidente da República Dilma Rousseff.

Por isso, e por muito mais (que, de tanta coisa, não caberá neste texto), é que eu me sinto na obrigação de tornar-me, mais uma vez, militante ativa. Quero e preciso militar pelo país dos sonhos torturados da Dilma. Nem tanto como militante, mas mais como mulher e como mãe, sinto-me na obrigação de lutar contra essa sociedade apodrecida a qual nos tornamos. Até para no futuro não contradizer os ensinamentos que, hoje em dia, procuro incutir em meu filho. Somos todos iguais. Temos, todos nós, na mesmíssima proporção, direitos e deveres os quais precisam ser respeitados. Porque, caro leitor, quando a gente se põe do outro lado, perde a chance de exercitar a humanidade que Deus nos deu. Perde a oportunidade de construir um mundo melhor. Perde, por fim, o direito de ter qualquer direito.

Por ser essa mulher - e por todas as outras mulheres que lutam diariamente -, hoje e sempre eu serei Dilma. Para que no futuro eu possa ser Mariana - de cara e de consciência limpas.

Mariana Lira