segunda-feira, 26 de março de 2018

tTudo é silêncio nesse turbilhão dentro de mim



Dia desses, estudando o nosso português, língua materna, li que o discurso centrado no "eu" pode passar a ideia de individualismo exacerbado e de certo pedantismo. Eu, no entanto, não consigo sair de mim. Esse espaço aqui dentro, que é só meu, tem sido, nos últimos tempos, o único que me comporta. Ando fazendo esforço demais para me encaixar em espaços os quais, eu sinto, não me abrigam. 

Não mais. 

Sigo lutando, assumo, para caber nesses recônditos do outro por muitas razões, tantas, tão díspares e confusas, que eu não sou capaz de listar. Apenas sigo, absorta nesse tudo que não sou eu, para manter as bases de uma estrutura que, eu sou capaz de jurar, qualquer hora quebra. 

Qualquer hora dessas eu vou desabar. 

O discurso do nós, agora, me parece tão distante. Tal e qual a uma falácia, ele me soa cínico, sarcástico e mordaz - a grande piada da (in)tolerância. O nós não quer ser coletivo. Ao contrário: ele continua a delimitar seus espaços, me fazendo ter a certeza de que desse nós eu não participo mais. Talvez nunca tenha sido parte, enfim. 

Busco, por hora, a minha paz. 

Essa sensação de plenitude, sobre a qual os filósofos e praticantes de yoga tanto falam, nunca foi minha. Esse sentimento de se estar onde deveria estar nunca me pertenceu. Sinto-me deslocada, descolada da imagem - que deveria ser eu! - mas somente reflete o outro. 

O nós e eu. 

Tudo seria fácil se a gente pudesse voltar a fita. Imagina apertar um botão e recomeçar a vida? Lá, naquele ponto específico (e que a gente sempre sabe qual é), quando deveríamos ter escolhido o eu, ao invés do nós. O nós nunca foi eu. É o retrato quixotesco do que a minha vida se transformou. 

São meia noite de uma segunda-feira qualquer e todos os meus pensamentos estão misturados, agitados, correndo doidos pelo meu cérebro pragmático. Dançam, bem na minha frente, contas, balanços, amores e decisões que precisam ser tomadas. Gritos de independência que precisam ser expelidos. Cordões que precisam ser cortados. Passos que precisam ser caminhadoa. Enquanto isso, estou estática - a grande dicotomia de correr e nunca sair do lugar. 

Eu bem sei o que deveria ter feito. Sei, também, o que deveria fazer agora. Tento me dar ordens. Recorro a Deus. Silêncio. 

Tudo é silêncio nesse turbilhão dentro de mim

sexta-feira, 2 de março de 2018

Suruba Brasileira: os patos de 2015, os bitolados do PT e o grande truque do agendamento midiático.





2015 foi uma ofensa ao Chico Buarque e à retomada democrática, a qual se deu entre os anos de 1983 e 1988. Explico: em março de 2015, o dito povo brasileiro saiu às ruas vestindo blusas amarelas e batendo suas panelas, numa esdrúxula alusão ao movimento “Diretas Já”, o qual clamava por eleições diretas, com o fim de pôr cabo aos grilhões dos anos ditatoriais. Enforcada desde a revolução de 1964, quando, autocraticamente, o país foi tomado de assalto por uma direita militarista e sanguinária, a população estava sedenta por liberdade – de ir, de vir e de viver até. A solução foi sair às ruas e, em uníssono, pedir pela devolução do poder ao seu titular de direito. Nos palanques espalhados por todo o Brasil, a sociedade se uniu em peso: religiosos, políticos, empregadores e empregados, todos, sem exceção, rogando pelo fim da grande repressão.

O Chico, militante ativo que era, escreveu, então, os versos os quais, até hoje, são tidos como um hino do processo democrático. “Pelas Tabelas”, canção que abre o disco “1984” do Buarque, fala de um homem que busca, desesperadamente, por uma mulher em meio à passeata que se deu em 16 de abril de 1984. Saindo da praça da Sé em direção ao Vale do Anhangabaú, em São Paulo, um milhão e meio de pessoas desejavam, juntas, poder votar para presidente. O objetivo do movimento era pressionar o congresso a aprovar a Emenda Constitucional Dante de Oliveira, permitindo, assim, que, no ano seguinte, fossem realizadas as primeiras eleições democráticas em duas décadas. Mesmo não tendo logrado tal êxito, a manifestação não foi de todo em vão. Em 1985, uma eleição indireta de uma chapa civil foi realizada, tendo eleito como Presidente o falecido Tancredo Neves e, em 1989, foi conquistado o tão sonhado sufrágio universal.

Com inteligentes analogias, Chico usou o termo “pelas tabelas” para conectar diferentes interpretações, num jogo de cintura essencial para driblar a censura da época. No trecho “...quando vi a galera de pé aplaudindo as tabelas...”, o cantor provavelmente referia-se ao futebol da seleção canarinho na copa de 1982, a qual, contraditoriamente, não ficou nem entre os 5 primeiros colocados. Em outro trecho, quando fala “...eu jurei que era ela que vinha chegando com minha cabeça já pelas tabelas. Claro que ninguém se importa com a minha aflição...”, o também compositor dá a atender que teme pela perseguição do que a época era chamada de “Dura”, a polícia do golpe.

Em um outro trecho, Chico afirma “... quando vi um bocado de gente descendo as favelas, eu achei que era o povo que vinha pedir a cabeça do homem que olhava as favelas, minha cabeça rolando no maracanã...”, tecendo um emaranhado caminho para criticar um movimento que, talvez, não estivesse sendo propriamente popular ou completamente a serviço do povo. E mais uma vez escapole quando insinua que sua cabeça, na verdade, estava com todas as atenções voltadas para o futebol. Crítica atrás de crítica; com uma porrada em cima da outra, Chico nos presenteou com um hino difícil de cantar, cujo ritmo aumenta a cada nova estrofe, denotando a urgência de uma época histórica.

Depois de tamanha introdução, é preciso, agora, explicar por que 2015 foi uma ofensa a tal composição. Naquele ano, milhares de pessoas (os patos do novo golpe), novamente vestindo blusas amarelas (todas elas da seleção), foram às ruas, cantando o hino nacional, empunhando a bandeira brasileira e gritando palavras de ordem contra a corrupção. O curioso é que todo este movimento tinha como fim derrubar um governo democraticamente eleito, no qual havia liberdade de expressão, direito de ir e vir e que dava continuidade a um projeto, iniciado em 2003, de empoderamento das classes mais pobres brasileiras. O país havia saído do mapa da fome da ONU; a dívida externa tinha sido paga; os cofres públicos estavam com superavit; o salário mínimo subia acima da inflação; mais e mais pessoas puderam ter acesso à formação superior; e os pobres começaram a andar de avião, usar marcas antes somente das classes mais abastadas e acreditar que o mundo, enfim, era para todos – e não apenas uma minoria.

Esta minoria – o 1% que concentra a maior parte da riqueza brasileira -, provavelmente se viu muito incomodada com essa mescla de classes, nunca antes vista neste país (só para usar um bordão do Lula). A mídia, em polvorosa, uniu-se à classe política que apoia as grandes fortunas e os grandes empresários, e, aos poucos, sedimentou nas pessoas a certeza de uma crise econômica a qual derrubaria o país. Parêntese: você sabia que é assim que uma crise econômica se inicia? Alguém muito influente começa a afirmar que vai faltar dinheiro no mercado; as outras pessoas – as quais confiam em sua opinião -, então, retêm suas economias, na esperança de protegê-las de uma eventual desvalorização. Assim, o dinheiro para de circular e os bens de consumo deixam de ser vendidos, abarrotando os estoques das empresas e seus empresários de dívidas. Pronto. Está instalada a mais nova crise econômica. Fecha o parêntese.

Com a suposta crise econômica instalada e o apoio massivo dos meios de comunicação – que, ou pertencem aos políticos, ou aos grandes empresários os quais integram aquele 1% dos mais ricos -, ficou fácil desacreditar um governo que, meses antes, tinha a aprovação da maioria dos cidadãos. As passeatas de 2015 estavam repletas de gente que nem sabia contra o quê estava protestando. Estavam com medo. E o medo é a melhor forma de manipular um povo educacionalmente fraco. No meio disso tudo, teve espaço para apoio ao Ustra (https://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Alberto_Brilhante_Ustra), pedidos pela volta da ditadura, gente fazendo coreografias grotescas, com músicas pedindo o fim da corrupção, apologia ao estupro da Dilma Roussef, nossa então Presidente da República. Nada se discutiu acerca de melhorar a educação, fazer uma reforma política ou escolher melhor nossos representantes. O único objetivo era derrubar a figura que, à época, representava o Partido dos Trabalhadores (PT). Dormia, então, a nossa pátria, tão distraída.

Em 2017, depois da deposição da presidenta democraticamente eleita, a aprovação de uma reforma trabalhista a qual somente prejudica o pequeno trabalhador, e na iminência de uma ainda mais nefasta reforma da previdência, pululavam, na mesma mídia de 2015, denúncias com provas muito contundentes de políticos, ditos moralizadores da nação, envolvidos em crimes de toda ordem, inclusive tráfico de influência e ilícito de entorpecentes (considerado hediondo em nosso atual ordenamento jurídico, para o qual não há fiança ou anistia). Todas elas – as denúncias -, foram abafadas, assim como o clamor daqueles que se diziam contra a corrupção. Calaram-se, também, as panelas que deram o ritmo dos acontecimentos dantescos do fatídico 2015.



Hoje, o país está aos frangalhos. A crise econômica finalmente se instalou. A gasolina sobe toda semana, assim como itens essenciais da cesta básica. Não há mais segurança jurídica, já que o órgão supremo do nosso judiciário muda seus entendimentos como quem vai na esquina. A certeza da impunidade daqueles cujos crimes foram comprovados, diminui ainda mais a autoestima e a crença do brasileiro numa melhora consistente do país. 2018 é o primeiro dos 20 anos de medidas restritivas, impositivas quanto ao corte de gastos em áreas essenciais para os mais pobres, como saúde e educação públicas. Os crimes de ódio aumentam na proporção do crescimento da desesperança. A intervenção militar no Rio de Janeiro apenas revela duas facetas de uma mesma moeda – que o medo, novamente, é a melhor forma de intimidação, pois com ele se fortalece a confiança nos aparatos de repressão e segurança; e que estamos na iminência de uma provável desconstrução definitiva do processo democrático conquistado com o sangue e as lágrimas de milhares.

Hoje, pela manhã, participando de uma roda de discussão sobre política, ouvi o que, para mim, já não vigorava. Falava-se acerca da aliança de Paulo Câmara a Jarbas e a João Paulo, no intuito de enfrentar o pleito que se aproxima e conquistar a reeleição para governo estadual. Uma observação me chamou bastante atenção: a de que João Paulo não poderia integrar tal aliança, por representar o “famigerado” Partido dos trabalhadores (PT). Contra-argumentei, pois João Paulo saiu de seus dois mandatos como Prefeito da cidade de Recife, capital pernambucana, com a aprovação de mais de 90% da população. Seu governo acabou com os deslizamentos nos morros, levou saneamento básico para as comunidades mais carentes, melhorou o ensino e a estrutura das escoolas públicas municipais e levou a discussão sobre a gestão pública da cidade até o cidadão, através dos Conselhos Públicos. Tudo era decidido democraticamente e o povo reconheceu isso. Não sabendo o que dizer, a pessoa em questão apenas reafirmou: mas ele ainda representa o PT e isso deve significar alguma coisa.

Eu estava redondamente enganada. Os patos de 2015 não morreram. Apenas estão escondidos nas cascas de seus próprios ovos, esperando apenas a próxima tresloucada manifestação para vestir suas camisas amarelas. Ahhh … esse ano tem copa do mundo.